A baixa aplicação dos recursos nas obras de acesso à ponte da Rota Bioceânica, eixo central do corredor internacional que ligará o Oceano Atlântico ao Pacífico a partir de Mato Grosso do Sul, tende a comprometer o cronograma inicialmente previsto e a frustrar expectativas do mercado, que projeta para 2026 a inauguração dos principais trechos do percurso brasileiro. A Casa Civil do Palácio do Planalto prevê a conclusão das obras em novembro de 2027. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), responsável pela execução da obra e vinculado ao Ministério dos Transportes, admite a baixa execução dos recursos. Até agora foram aplicados R$ 168 milhões com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), de um total de R$ 496,2 milhões previstos inicialmente, informou o órgão ao Campo Grande News . A expectativa do DNIT “é evoluir com o empreendimento em 2026”. Na ponta do lápis, o valor aplicado representa cerca de 34% da totalidade dos recursos anunciados, destinados principalmente às obras de acesso ao corredor rodoviário que conectará Porto Murtinho, cidade fronteiriça de Mato Grosso do Sul, ao Paraguai. Para o acesso à ponte, estão previstos 13,1 quilômetros na BR-267/MS, além da construção de um centro aduaneiro de controle de fronteira. O corredor rodoviário internacional prevê acessar os mercados asiáticos e reduzir custos logísticos e tempo no transporte do comércio exterior – devendo fortalecer a logística e ampliar a competitividade da produção do Centro-Oeste. A Rota Bioceânica ligará Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. O acesso ao mercado asiático se dará pelos portos do norte chileno. Os obstáculos não são exclusivos do cronograma das obras: falta uma definição sobre como funcionarão as aduanas dos países envolvidos no projeto, o que requer procedimentos de desembaraço que driblem a burocracia, como defende o pesquisador Eduardo Luís Casarotto, professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia da Universidade Federal da Grande Dourados (FACE/UFGD). Apesar de ser aguardado há anos pelo setor exportador, o projeto das Rotas de Integração ganhou fôlego na gestão Lula 3. Orçamento de 2026 O temor de especialistas que acompanham de perto o andamento das obras é de que os recursos restantes para a execução das obras do lado brasileiro não estejam garantidos no orçamento de 2026, em meio ao ajuste fiscal do governo federal e à reserva recorde de recursos para emendas parlamentares. Na última sexta-feira, o Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2026 com reserva de R$ 61 bilhões para emendas parlamentares e previsão de superávit de R$ 34,5 bilhões nas contas do governo no próximo ano. Para que todo o trecho das obras brasileiras esteja concluído em 2026, seriam necessários investimentos de cerca de R$ 200 milhões, que precisariam estar assegurados no orçamento do próximo ano, conforme afirmou, ao Campo Grande News , o ministro de carreira diplomática do Ministério das Relações Exteriores, João Carlos Parkinson, coordenador nacional dos Corredores Rodoviário e Ferroviário Bioceânicos. Para o diplomata, o ideal seria acelerar as obras para que o trecho brasileiro fosse inaugurado juntamente com a ponte internacional, que já tem 82% de execução, com recursos financiados pela Itaipu Binacional (recursos paraguaios). Do lado brasileiro, o avanço médio das obras é de cerca de 30%. Embora o DNIT assegure que esses recursos estão previstos no orçamento do próximo ano, o Ministério do Planejamento e a Casa Civil não confirmam essa informação. Cronograma apertado Procurada pela reportagem, a Casa Civil informou que o valor previsto no Novo PAC para a referida obra é de R$ 551,3 milhões. “A obra está em andamento, com execução de serviços de terraplenagem e OAEs (obras de arte especiais). O término das obras está estimado para novembro de 2027”, destaca a nota. A previsão da Casa Civil contraria as estimativas iniciais da ministra do Planejamento, Simone Tebet, segundo as quais as obras de acesso brasileiro à ponte estariam concluídas, no mais tardar, no início de 2027. Sem entrar no mérito de eventuais alterações de cronograma, a Secretaria de Articulação Institucional do Planejamento informou, em nota, que a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2026 ainda não foi sancionada pelo presidente da República. Já a Casa Civil se esquivou de responder sobre a garantia dos recursos no orçamento do próximo ano. A ministra Simone Tebet visitou as obras de acesso ao Corredor Bioceânico na localidade de Porto Murtinho em 2 de outubro deste ano, segundo a Secretaria do Planejamento da pasta. Na ocasião, afirmou que “as intervenções seguem em andamento” e estão sob responsabilidade do DNIT-MS. “No início de dezembro, o DNIT-MS foi consultado sobre o andamento das obras e informou que os serviços se encontram em execução, conforme o cronograma previsto”, acrescenta a Secretaria. Obras em execução Segundo a Casa Civil, as obras estão sendo executadas na modalidade de contratação integrada e incluem acesso à ponte internacional sobre o Rio Paraguai, o contorno rodoviário de Porto Murtinho e a construção do centro aduaneiro de controle de fronteira. Além da implantação de 13,63 quilômetros de vias, está prevista a construção de sete obras de arte especiais (OAEs), estruturas complexas de engenharia utilizadas para vencer obstáculos naturais ou urbanos, como pontes, viadutos, passarelas e pontilhões. Conforme o DNIT, já foram executados serviços de terraplenagem, além da construção de obras de arte corrente e passagens de fauna, como cercas, alambrados e delimitadores de faixa de domínio. O órgão informa ainda que os trabalhos estão atualmente concentrados na concretagem de vigas. Contorno de Porto Murtinho O contorno da cidade de Porto Murtinho é o trecho viário que permitirá o acesso direto à ponte internacional sobre o Rio Paraguai. A nova ligação começa no entroncamento com a BR-267/MS, antes da entrada da cidade, e segue até a cabeceira da ponte. O traçado retira o tráfego pesado do perímetro urbano e cria um caminho mais rápido e seguro para o transporte de cargas e passageiros pelo corredor internacional. No Brasil, além de Mato Grosso do Sul, a rota envolve São Paulo, Paraná e Santa Catarina, com passagens pelas cidades fronteiriças de Porto Murtinho (MS), Foz do Iguaçu (PR) e Dionísio Cerqueira (SC). Articulação necessária Em meio ao cenário de contingenciamento orçamentário da União, a aceleração da liberação dos recursos dependerá de forte articulação política do Estado junto ao governo federal, avalia o pesquisador Eduardo Luís Casarotto, da UFGD. “Será preciso um esforço conjunto para garantir que todos esses recursos sejam liberados”, afirma o pesquisador, que também integra a rede de universidades latino-americanas UniRila, ligada ao projeto da Rota Bioceânica. O risco, segundo ele, é de a ponte ficar pronta sem que as aduanas e os acessos estejam concluídos, como já ocorreu em Foz do Iguaçu, onde uma estrutura permaneceu alguns anos sem operação. “Ponte pronta não significa trânsito liberado.” No lado brasileiro, os acessos – cerca de 12 ou 13 quilômetros, além da aduana, áreas de estacionamento e infraestrutura de controle – ainda não começaram em alguns trechos. “A ponte avança, o que é positivo, mas o restante preocupa.” Apesar do discurso otimista em torno da Rota Bioceânica, a avaliação é de que o atraso nos acessos, a indefinição sobre recursos e o contingenciamento orçamentário da União podem gerar frustração até 2026 e reforçar o ceticismo de quem acompanha o projeto. Política aduaneira Casarotto também chama a atenção para a necessidade de criação de uma política aduaneira que assegure maior fluidez ao intercâmbio comercial. Um caminhão que sai do Brasil em direção ao Chile, por exemplo, cruza três países e pode passar por até seis aduanas, cada uma com trâmites distintos. Se o processo for demorado, perde-se justamente a vantagem logística que a rota promete. Nesse sentido, torna-se necessário avançar em acordos no âmbito do Mercosul ou diretamente entre os governos, com legislação específica para a rota, permitindo a adoção de mecanismos como a Convenção TIR (Convenção Aduaneira sobre o Transporte Internacional), que daria mais agilidade ao transporte internacional.