Compostagem será obrigatória em 2022, mas poucos goianos se preparam
Tem crescido o número de empresas que exploram o potencial ignorado do rejeito em Goiânia. Sensibilização da população para o problema continua sendo o maior desafio
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Cresce o número de empresas que exploram o potencial ignorado do rejeito em Goiânia. Sensibilização da população para o problema continua sendo o maior desafio
Em maio deste ano, foi aprovado na Câmara Municipal de Goiânia projeto que obriga compostagem de lixo orgânico e proíbe o descarte de rejeitos biológicos no aterro sanitário da cidade. O autor do projeto, o ex-vereador Divino Rodrigues (Patriota), estipulou que a Prefeitura e as empresas privadas que fazem coleta de lixo terão o prazo de um ano após a publicação da lei para se adequar. Especialistas da área do manejo de rejeitos consideram a proposta impossível de ser executada.
No Brasil, a reciclagem e compostagem poderiam evitar o lançamento de 7,02 milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera e gerar uma economia R$ 1,1 milhão por dia em nível nacional. Segundo o Cempre Review 2019, estudo realizado pela associação Compromisso Empresarial para Reciclagem, somente 35 milhões de brasileiros (17% do total) têm acesso a programas municipais de coleta seletiva – isto é, a coleta diferenciada de lixo que foi previamente separados segundo a sua constituição ou composição.
Goiânia possui o serviço, que colabora para a reciclagem. Entretanto, apenas 5% do total de rejeitos é reciclado, ou 1.600 toneladas por mês. Isso corresponde a um terço da meta estipulada pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Quando se trata de matéria orgânica, o patamar é ainda mais insatisfatório, já que a cidade não oferece destinação específica para esse tipo de lixo.
Atualmente, em Goiânia, quase todos os rejeitos orgânicos são misturados com o material reciclável e enviados ao Aterro Sanitário de Goiânia. Lá, o lixo é enterrado para se decompor de forma anaeróbia, liberando gases como o metano, 21 vezes mais nocivo para a camada de ozônio do que o dióxido de carbono liberado durante a compostagem. A decomposição da matéria orgânica também produz água, que no aterro sanitário é contaminada pela mistura com resíduos tóxicos e metais pesados, e assim não pode ser reaproveitada (além de contaminar lençóis freáticos).
Segundo o Relatório Técnico do Acordo Setorial de Embalagens, estudo de gravimetria dos resíduos descartados revelou que 26% de todo o lixo é formado por compostos orgânicos que podem ser transformados em húmus por meio da compostagem. Este processo natural transforma o material em fertilizante rico em nutrientes. A adoção desse tipo de tratamento promove o reaproveitamento de nutrientes na agricultura, que de outra forma seriam decompostos em gases com efeito de estufa.
Mas se os benefícios de dar uma destinação correta para o lixo são tão aparentes, por que em doze anos de coleta seletiva em Goiânia o reaproveitamento não se tornou uma cultura? Pesquisa realizada nas capitais abrangidas pelas ações de logística reversa do acordo setorial de embalagens constatou que, para 95% da população, a coleta seletiva é um serviço importante. Do total, 79% informaram conhecer a reciclagem e saber para que serve, mas 47% alegaram falta de tempo para não praticá-la, e 33% justificaram que a dificuldade está na inexistência do serviço no bairro.
Soluções
Nem tudo são más notícias, entretanto. Tem crescido na iniciativa privada o número de empresas que exploram o potencial ignorado do rejeito em Goiânia. A Eu Composto é um negócio comandado pela engenheira civil Amanda de Sá Kanbay e pelo engenheiro de produção Matheus Fumes. A dupla oferece serviços de coleta e compostagem do rejeito orgânico para empresas, condomínios e para residências.
Funcionando na forma de assinaturas mensais, a Eu Composto fornece ao cliente o coletor, uma espécie de balde com tamanho médio de 16 litros, bem como sacola biodegradável de amido de mandioca, onde o cliente deve depositar o lixo orgânico produzido durante a semana. Uma vez a cada sete dias, a empresa coleta o material e o leva para ser compostado em seu pátio. Ao final do mês, a empresa envia ao cliente dois quilos do adubo produzido com seu lixo, além de um relatório com a quantidade de poluição evitada.
A Eu Composto processou 1,4 toneladas de resíduos orgânicos no mês de setembro | Foto: Reprodução / Acervo Pessoal
“Em média, 10 quilos do lixo orgânico produzem três quilo de adubo e sua compostagem evita a emissão de sete quilos de dióxido de carbono na atmosfera, um gás com efeito de estufa”, comenta Amanda Kanbay. Em números totais, apenas no mês de agosto, a Eu Composto processou 1,4 toneladas de resíduos orgânicos, evitando 1,1 toneladas de CO2 na atmosfera, o que equivale ao que um carro médio emite ao percorrer 4.760 km. Foram produzidos 450 kg de adubo.
Amanda Kanbay explica que o mercado tem crescido. A Eu Composto começou suas atividades no início de 2021 com apenas cinco clientes e, em setembro, já possui mais de cem. A engenheira e empreendedora considera a falta de educação ambiental o principal desafio a ser vencido. “Muitas pessoas não por separam seu lixo pela falta de noção da importância. Encontramos clientes entre as pessoas que já têm consciência e cuidado com seus resíduos, mas que têm dificuldades de separar o lixo pela falta de estrutura oferecida por seus condomínios e pela prefeitura”.
São diversos os obstáculos que as pessoas com educação ambiental encontram na tentativa de destinar corretamente seus rejeitos. “Trabalhamos com condomínios verticais”, exemplifica Amanda Kanbay. “Muitos prédios não disponibilizam área comum para colocar o coletor de lixo, de forma que investimos grande esforço logístico para recolher os resíduos de clientes individualmente. Por isso, não basta obrigar que seja feita a compostagem de todo o lixo orgânico; são necessárias políticas públicas que regulamentem o descarte correto”.
Por fim, Amanda Kanbay ressalta a importância de que as pessoas entendam que tudo é cíclico. “Os nutrientes, os recursos, tudo permanece no planeta. Enquanto não tivermos hábitos que ligam o fim da cadeia de consumo ao seu começo, viveremos retirando coisas do ambiente e as jogando fora – sem entender que não existe o ‘jogar fora’. O que é jogar fora? É só tirar o problema da sua vista, mas ele continua sendo um problema em outro lugar sem o descarte correto”.
Não há outra casa
Emiliano Lobo de Godoi é doutor em Agronomia e professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental (EECA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), além de coordenador do programa UFG Sustentável. O professor dá sua opinião sobre as iniciativas individuais de descarte correto do lixo: “O exemplo é a melhor forma de se ensinar. Só conseguiremos cobrar boa conduta ambiental de indústrias, do agronegócio, de governos, se tivermos as boas práticas internalizadas em nossa cultura. Independentemente do impacto volumétrico das ações de cada indivíduo, é uma questão de assumir uma postura ética. Um toco de cigarro no chão é nada, mas o Brasil tem 20 milhões de fumantes; e se eles jogarem 10 bitucas de cigarro no chão todos os dias? Então, não é questão de olhar para o impacto de cada indivíduo isoladamente, mas de nossas ações coletivas”.
“Acredito que mais pessoas vão aderir a práticas sustentáveis quando entenderem que não existe outra casa para onde possamos nos mudar”, diz Emiliano Godoi | Foto: Reprodução/JornalUFG
Emiliano Godoi afirma que, em sua perspectiva, a adoção de uma economia circular é a grande virada de paradigma do século XXI, e que esse movimento é inevitável, já que o atual patamar de consumo dos recursos naturais é insustentável. Em contraposição à economia linear em que vivemos, que explora recursos e os descarta na forma de produtos industrializados, a economia circular reinsere o produto da ação humana no início da cadeia produtiva, com a intenção de evitar extração de novos recursos e gasto de energia em sua elaboração. “Não se trata simplesmente de reciclagem. Passa também por repensar o design do produto, os processos para sua produção e a cadeia de logística para sua distribuição. É um grande desafio para a sociedade moderna pois envolve a mudança radical dos bens que consumimos”, diz Emiliano Godoi.
O professor lembra que, atualmente, quando mandamos algo reciclável para o aterro sanitário – uma garrafa plástica, por exemplo – não jogamos fora apenas o material de que ela é feita, mas também desperdiçamos o dinheiro investido no refino do petróleo usado para fabricar o plástico, o esforço investido na formação dos profissionais que produziram o plástico e que os projetaram para ser uma garrafa; enfim, todo o dinheiro de ciência e tecnologia além dos recursos naturais usados. “Quando pensamos nessa perspectiva, compreendemos que é realmente insustentável continuar assim”.
Na opinião do professor, a sensibilização da população é o maior obstáculo. “As pessoas se preocupam com a água apenas durante as crises hídricas. Quando começa a chover, todos se esquecem. Ninguém pensa em lixo sem visualizar o lixão. As pessoas se excluem do problema com facilidade. O maior desafio é a percepção da sociedade, temos de entender que o planeta é um só e as mudanças climáticas impactam a todos igualmente. Acredito que mais pessoas vão aderir a práticas sustentáveis quando entenderem que não existe outra casa para onde possamos nos mudar.”
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