O erro de Lula da Silva e o acerto de Flávio Dino sobre as Forças Armadas
O presidente não pode culpar generais pela presença de bolsonaristas nas ruas. No domingo, Lula da Silva falhou ao não convocá-las
Há indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro passou os últimos quatro anos com uma doença grave, “lulite aguda”. A paranoia tomou conta de seus principais aliados, notadamente da família Bolsonaro. Por isso, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) disse que, para fechar o Supremo Tribunal Federal, bastava um soldado e um cabo. No domingo, 8, bolsonaristas invadiram a sede do poder, mas não o “fechou”. Pelo contrário, os estilhaços e pedaços de madeira, como espécies de bumerangues, fortaleceram o STF e enfraqueceram os golpistas (é provável que o bolsonarismo, e não a esquerda, vai “matar” a direita no Brasil).
Por que a implicância do bolsonarismo com o Supremo? Porque era um empecilho à aprovação de medidas autoritárias, ou seja, uma barreira sólida a uma espécie de “golpe” dentro da democracia. Porém, há de se notar que, durante os quatro anos do principado de Bolsonaro, os militares não se manifestaram, como Forças Armadas, pró-golpe. Pelo contrário, os possíveis rogos do ex-presidente não foram ouvidos. Há militares golpistas? Por certo há, como há civis, as vivandeiras de sempre.
O comportamento das Forças Armadas, de 2019 a 2022, foi irretocável. Respeitaram Bolsonaro, porque o presidente é o chefe-supremo da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, que compõem as Forças Armadas, e respeitaram a democracia, cumprindo aquilo que reza a Constituição.
Portanto, as Forças Armadas se comportaram de maneira democrática, e não golpista.
No domingo, 8, uma multidão orientada com o objetivo de desestabilizar a democracia, tentando criar ambiente para um golpe de Estado, saiu às ruas para fazer arruaças, invadindo os edifícios dos poderes Executivo (Palácio do Planalto, onde despacha o presidente Lula da Silva), Judiciário (onde atua, entre outros, os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso) e o Legislativo (onde trabalham deputados federais e senadores). Houve, por assim dizer, um golpe de Estado, e não apenas uma “tentativa”. Não foi consumado, certamente, porque o poderoso chefão escapou para os Estados Unidos. Mas os golpistas tomaram as sedes dos três poderes — e a reação foi mínima. Durante algum tempo, o país esteve sem governo, imperando o governo da baderna, até do terrorismo.
As Forças Armadas não participaram do movimento pró-golpe. Isoladamente, alguns militares, possivelmente todos da reserva, estiveram entre os baderneiros, como tem sido apontado pelos jornais.
Na reunião como os governadores, na segunda-feira, 9, o presidente Lula da Silva comentou a respeito dos bolsonaristas que, talvez por “falta” de emprego — a taxa de desemprego no governo de Bolsonaro foi bem alta —, decidiram morar, sem pagar aluguel, na porta de quartéis. A fala do petista-chefe: “Eles estavam lá ocupando a frente de vários quartéis. E reivindicavam o quê? Melhoria de vida da população? Reajuste salarial? Mais liberdade? Não. O que eles queriam era um golpe. Nenhum general se moveu para dizer que isso não pode, que não pode agir dessa forma. E aí eles agiram”.
Lula da Silva equivocou-se. As esquerdas defendem que os militares fiquem nos quartéis e não participem da vida política do país, exceto se convocados pelas autoridades — no caso, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e, sobretudo, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Cadê a ordem do ministro e do presidente convocando os militares para retirar os golpistas das portas dos quarteis? Por que, no domingo, o presidente Lula da Silva, como chefe supremo das Forças Armadas, não tomou a decisão de convocá-las para combater a desordem em Brasília? Não se sabe. Como é experimentado — portanto, nada néscio ou nefelibata —, o petista pode ter avaliado que, de repente, os militares poderiam aderir à multidão e comandar o golpe? Não se sabe.
A posição correta e realista é a do ministro da Justiça, Flávio Dino: “Quero enaltecer o trabalho das Forças Armadas que, durante meses, ouviram o grito demoníaco do golpismo, mas nele não embarcaram, apesar da postura particular de um ou de outro”. É a fala precisa e verdadeira. Ciência do realismo político.
Na segunda-feira, 9, militares do Exército ajudaram a Polícia Militar a retirar golpistas da porta do quartel em Brasília. Portanto, acionadas, as Forças Armadas compareceram e fizeram o seu serviço, em defesa da democracia.
Como sabe o ex-magistrado Flávio Dino, assim como José Múcio Monteiro — outro fator de moderação e é amadorismo defender sua queda, sobretudo num período de transição, com a democracia sob ameaça —, a função das Forças Armadas não é sair por aí dando bordoadas nas pessoas que se, dizendo bolsonaristas, pregam golpe de Estado. Porém, se convocadas pelo presidente, podem, e tem como, pôr ordem na casa. Por isso pode-se sugerir que Lula da Silva foi injusto com os militares — que, insista-se, não são golpistas. Se fossem, a democracia já estaria no chón — Bolsonaro seria o “duce” e o petista não seria o presidente.
No domingo, falharam o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha — afastado por 90 dias —, o presidente Lula da Silva e os ministros da Defesa, José Múcio, e da Justiça, Flávio Dino. A falha gritante de Ibaneis Rocha (e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e que era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal) esconde o descuido gritante de Lula da Silva, que, mesmo com o apoio do GSI, da Polícia Federal e da Abin, “não” sabia de nada (o que é quase inacreditável, e nem sei se o quase é necessário na frase). Não eram, a rigor, a Aeronáutica, o Exército e a Marinha que deveriam alertá-lo.