Governador poderoso, oposição inexistente
Eleição da Assembleia Legislativa aponta que Wanderlei pode vir a contar com o apoio unânime, o que significa ninguém a se opor
Pela primeira vez na história do Tocantins um governador do Estado pode contar com apoio de todos os deputados estaduais, independente dos partidos pelos quais foram eleitos. O fenômeno chama atenção pela disposição de todos os eleitos desejarem ser governo e tem a ver com a superação da polarização entre o siqueirismo e o mirandismo, além do surgimento de uma força emergente comandada por Wanderlei Barbosa (Republicanos), que parece não encontrar limites na acumulação de poder. Ou seja, a possibilidade de poder é o grande atrativo.
A eleição da mesa diretora da Assembleia Legislativa, realizada na quarta-feira, 1º, foi por unanimidade em dois pleitos consecutivos e para todos os cargos. Isso revela que o governador tem conseguido avançar em suas pretensões políticas, acumulando mais prestígio e controlando as possibilidades de manifestação da oposição.
Wanderlei tem todas as condições de fazer um governo sem oposição no Legislativo e, pelo menos por enquanto, é isso que está no horizonte. Uma tranquilidade para o governador, mas algo que pode representar risco para sociedade. Governos sem oposição se sentem tão poderosos que se tornam refratários ao clamor popular.
O entendimento envolvendo todos os deputados em torno da mesma proposta não é mérito apenas do presidente eleito para o primeiro biênio da legislatura, Amélio Cayres (Republicanos) nem de Leo Barbosa (Republicanos), que será presidente no segundo biênio. Houve a participação do governador nos acordos que permitiram a formação de chapa única para os dois pleitos. Isso fica claro na proposta de mudança da legislação para permitir a antecipação da eleição para presidente do Legislativo. A quem interessa uma proposta como essa, a não ser aos que já estão no poder?
O governador, que tem uma trajetória de 30 anos no Parlamento, sabe muito bem que o diálogo permanente com os deputados resulta na garantia da governabilidade, evitando questionamentos que às vezes geram desgaste. Além de contar com apoio unânime do Legislativo, de quebra o governador conseguiu fazer o filho presidente da Assembleia, um posto estratégico na construção e manutenção do poder no Estado.
O resultado da eleição na Assembleia diz muito sobre o momento político do Tocantins. Wanderlei, que já era um líder poderoso, ganhou ainda mais força. Desde que assumiu, em 20 de outubro de 2020, até agora, só aumentou seu prestígio no meio político – isso ainda levando em consideração que já tinha chegado ao poder com apoio de todos os segmentos.
Em 11 de março de 2021, quando o ex-governador Mauro Carlesse (Agir) renunciou ao mandato e abriu caminho para ascensão do então vice-governador, Wanderlei Barbosa, ainda havia oposição na Assembleia. Pelo menos três deputados – Professor Júnior Geo (PSC), Amália Santana (PT) e Zé Roberto Lula (PT) resistiam ao assédio de Carlesse. Ao ser empossado de forma definitiva no cargo, Wanderlei recebeu um manifesto, articulado pelo ex-deputado Eduardo Siqueira Campos (UB), com 21 assinaturas. Agora, após as eleições e reeleito, Wanderlei consegue reunir apoio dos 24 deputados, como se viu na eleição da mesa diretora da Assembleia.
Após as eleições, em que venceu com uma votação expressiva, Wanderlei conquistou mais prestígio e condições para sufocar a oposição. Outro aspecto que ajudou o modificar o cenário político foi o próprio resultado da eleição. O PT, que por decisão partidária proibiu seus parlamentares de apoiar governos conservadores, nestas eleições perdeu sua representação na Assembleia Legislativa.
Por outro lado, o deputado Professor Júnior Geo, que era oposição, terminou se aproximando do governo. Seu partido, o PSC, não conseguiu viabilizar candidatura própria ao governo e aderiu à base governista. Assim, Júnior Geo, que foi uma voz combativa no governo Carlesse, tendo contribuído diretamente para sua renúncia, agora é governo. Diz que continua independente – mas um independente sem muita motivação para questionar, como fez no passado.
Correlação de forças
Em tese, a oposição deveria contar com pelo menos 11 deputados, já que os partidos que integram a base do governo elegeram apenas 13 dos 24 parlamentares. O problema é que muitos eleitos por partidos de oposição já fizeram campanha colados no palanque do governador. É o caso dos deputados Fabion Gomes (PL), Cláudia Lelis (PV) e Ivory de Lira (PCdoB), que já integravam a bancada do governo e permaneceram, ainda que seus partidos tivessem decidido lançar candidato próprio. Todos decidiram desde cedo não seguir a orientação dos seus partidos. Foram eleitos pela oposição, mas sempre foram governo. O PL lançou Ronaldo Dimas e PV e PCdoB, integrantes da Federação Brasil da Esperança juntamente com o PT, lançaram Paulo Mourão.
Entre os demais oito deputados eleitos por partidos de oposição – Janad Valcari (PL), Moisemar Marinho (PSB), Marcus Marcelo (PL), Aldair Costa Souza Gipão (PL), Wiston Gomes (PSD) e Luciano Oliveira (PSD) – não há nenhum que defenda coerência ideológica em vez de parceria de resultado com o governo. Cada um tem um motivo para se aproximar das bases do governo. A maioria reconhece que para atender suas bases precisa do governo, portanto não tem como fazer oposição.
O Tocantins vive uma realidade política que alguns preferem chamar de “vácuo de lideranças”. O que é um equívoco. Em política nunca tem vácuo. Sai uma liderança e outra ocupa imediatamente o espaço. O que deixou de existir foi a polarização entre o siqueirismo e o mirandismo, que acabou quando essas forças chegaram à exaustão. Na ausência dos líderes tradicionais, cuja origem ainda remete ao norte de Goiás, surgem os “curraleiros”, os líderes forjados na realidade do novo Estado. Para conquistar o poder, não precisa mais ter a tradição de um Siqueira Campos, basta ter vínculo com o povo.
Wanderlei tem esse perfil das novas lideranças. É simples, surge como vereador do interior, mas tem uma profunda identidade com o povo tocantinense. Com a habilidade que tem demonstrado e o prestígio que tem conquistado, é possível dizer os Barbosa já têm potencial capaz de repetir ou superar o desempenho das forças tradicionais do siqueirismo ou do mirandismo. O tempo dirá.
Claro que essa previsão depende muito de como o Supremo Tribunal Federal (STF) vai recepcionar as ações que contestam decisões do governo que afetam a organização do poder no Estado. O primeiro teste será o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo PSB nacional contra a alteração na Constituição do Estado, que permitiu a antecipação da eleição da mesa diretora da Assembleia Legislativa do biênio 2025-2027, a qual elegeu o deputado Leo Barbosa, filho de Wanderlei, presidente.
Conforme for o julgamento, estará aberto o caminho para judicialização de todo e qualquer ato do governador. Sem oposição, Wanderlei estará mais suscetível a cometer exageros que precisarão ser contidos pelo Poder Judiciário. Um caminho certo para o desgaste.