Hora do Supremo horrorizar os medievais
Paulo Henrique ArantesSem dúvida, o Supremo Tribunal Federal foi - e é - indispensável para a manutenção da democracia. Se em alguns momentos preferiu os aplausos da massa punitivista, em tantos outros brecou impulsos neofascistas. Agora, precisa provar-se de uma vez por todas em sintonia com o mundo civilizado, fazendo jus à classificação de “reserva iluminista” que lhe foi dada tempos atrás pelo ministro Luís Roberto Barroso.Claro, Barroso exagerou. Um tribunal constitucional não é reserva de nada. Cabe-lhe fazer cumprir a Carta Magna e nada mais. Ocorre que em tempos obscuros qualquer aceno antinegacionista é bem-vindo, mesmo quando movido a vaidade.A presidente Rosa Weber está prestes a por em votação porte de drogas, demarcação de terras indígenas, aborto e direitos humanos nas prisões. Belo pacote progressista!O STF tem a histórica oportunidade de horrorizar a tradicional e hipócrita “família brasileira”, para a qual seus filhos são anjos à mercê de traficantes, não o próprio combustível do tráfico. Tem a chance, o Supremo, de escandalizar os “cidadãos de bem” que prefeririam ver toda população carcerária debaixo da terra, pois “bandido bom é bandido morto”. É hora de a Alta Corte enfartar os “cristãos” que não aceitam que se abrevie a existência de um embrião sem cérebro que pode custar a vida da mãe (são os mesmos que defendem pena morte para quem ouse triscar-lhes o patrimônio).Conforme se comportarem nessas apreciações, os ministros do Supremo tornar-se-ão alvos ainda mais preferenciais de ricaços medievos em aeroportos mundo afora, o que será um ótimo sintoma. Nada pior do que uma Justiça insossa.Será de bom tom que o STF fique no lado do Iluminismo caso caracterize-se de fato uma contenda contra o obscurantismo nas votações que se avizinham. Não que se ignorem os excessos da Revolução Francesa, mas caçar “bruxas” e queimá-las em praça pública era bem pior.Robespierre, uma das cabeças da Revolução Francesa, fez campanha pelo voto masculino universal, pelo direito de voto a negros, judeus, atores e empregados domésticos. Também defendeu a abolição do celibato clerical, dogma ainda em voga, e o fim do envolvimento francês no comércio atlântico de escravos. Talvez por isso, ainda hoje, alguns conservadores refiram-se ao Iluminismo como um mero movimento anti-religião. Trata-se de uma tentativa de inverter o rumo da humanidade, dando meia-volta em direção à Idade Média.